domingo, 5 de outubro de 2014

Vestido vermelho

O momento iniciou com a depilação, chata mas necessária, quer esteticamente, quer psicologicamente. O corpo sem pelos aumenta a confiança. O incómodo arrancar do pêlo, a presença das marcas na minha pele, as memórias de outras vezes...a dor presente, o prazer futuro. 
O banho, os cremes, o colorir as unhas, a maquilhagem, o pentear (ou o quase não pentear)... Ir observando o reflexo no espelho, vê-lo transformar-se e cada vez mais...o achar atraente. 

Enfrente a outro espelho, um último olhar ao corpo ainda nu, pode não ser grande coisa, mas é o MEU corpo e, de alguma forma, dá-me gozo cuidar dele. Gosto do brilho do creme na minha pele. Gosto do meu olhar. 
Finalmente o vestido vermelho acaricia-me a pele, puxo o fecho nas costas, levanto a cabeça e procuro novamente o reflexo. Como me irei sentir ao ver-me dentro do vestido que escolhi, especialmente, para o momento? Gosto! Quem encontro também sou eu. As sandálias, pretas e de salto alto, e os acessórios complementam a imagem que quero transmitir: segura e...provocante.

Pela primeira vez não calço meias e, ao entrar para o carro, gosto de ver as minhas pernas desnudadas, na medida em que o vestido sobe quando me sento. Sobe mais do que esperava, mostra mais do que tinha em vista. Ainda bem que o decote não é pronunciado. Sinto-me sexy sem cair na vulgaridade. Quando me levanto puxo o vestido para baixo, de uma forma aparentemente espontânea, no entanto pensada. Sinto os olhares em mim e caminho segura na minha feminilidade. 

O vestido, ou o efeito do vestido em mim, aproxima-me dos outros, como se fosse uma espécie de desbloqueador de conversa, sem, no entanto, alguma vez ser mencionado. Por exemplo, nunca antes me alertaram tantas vezes seguidas para os malefícios do tabaco, era acender um cigarro e lá vinha alguém (leia-se gajo) comentar o meu vício. Uns por oposição, outros por solidariedade, mas, quase todos, pouco interessados na minha saúde. Até F, que raramente fala comigo, se aproximou para perguntar como correra a viagem... Sim, o vestido é uma boa companhia.

Gosto de ter vontade de me exibir para alguém em especial mas, às vezes, exibir-me para o mundo também pode ser excitante. Saber que consigo chamar a atenção, provocar reações e afastar-me, como se fosse imune às mesmas. Como se fosse, porque não o sou. Na realidade alimento-me delas, mesmo quando escolho não alimentá-las.

Porque às vezes um pequeno passo mantém-me no caminho certo, estou contente por agora possuir um vestidinho vermelho. 

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