quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Consensual

Um Dominador disse-me que na submissão não há lugar ao consensual, ser submissa é confiar no caminho que o outro escolhe para nós, sem questionar, sem duvidar, o meu único direito é servir e fazer da vontade do outro a minha própria vontade. Se imponho limites não me estou a submeter, não me estou a entregar toda como devo e a relação não funciona. 

Das primeiras coisas que aprendi quando comecei a pesquisar foi a importância do SSC - São, Seguro e Consensual (mesmo no RACK - Risk Aware Consensual Kink (Kink Consensual com Consciência do Risco) o consensual está presente) e percebi que se nem sempre se pode garantir os "s" (porque os acidentes acontecem!) o consensual é obrigatório e deve ser sempre um limite. 

Eu não estou à espera que o Dominador, que eu escolhi para me guiar, me peça opinião sobre tudo, e muito menos que peça autorização para determinadas práticas...Não é isso que quero dizer, tenho plena noção de quem comanda a relação e decide o caminho. Mas todas as decisões devem ser tomadas a pensar em mim também, na pessoa que sou.

Imaginemos que o Dominador adora práticas com agulhas e que eu tenho fobia às mesmas. Eu até sei que o meu medo é irreal, que as agulhas não me vão matar mas...só de olhar para elas o coração dispara, a respiração torna-se difícil...e eu só quero fugir. É um limite que imponho à partida mas até sei que gostava de eliminar o medo que sinto pois ajudaria bastante nas colheitas sanguíneas a que terei de me sujeitar no futuro (sem falar no prazer que daria ao outro!).

Imaginemos que conversamos sobre o assunto e permito que o Dominador use agulhas em mim. Espeta a primeira e eu continuo serena, espeta a segunda, a terceira...mas com a quarta eu começo a ficar agitada, o meu medo começa a crescer e não o consigo controlar. Para mim a prática terminava aí. Não foi um limite ultrapassado mas da próxima vez talvez consiga ir mais longe. Se o Dominador continua a insistir só vai fazer com que o meu medo cresça e a confiança que depositei nele sai fragilizada. Se lhe peço para não voltarmos a tentar nos próximos dias e ele insiste em fazê-lo no dia seguinte então a minha confiança decresce ainda mais. Se o volta a fazer contra a minha vontade começa a perder também o meu respeito e o meu medo não desaparece mas agrava-se.

Saber que tudo o que acontece entre mim e o dominador é consensual é o que permite que a confiança cresça e que entregue cada vez mais ao outro. Eu sei que muitas vezes serei manipulada para agir em conformidade com os desejos do Dominador mas, para mim, ser bem dominada é não me aperceber de quando estou a ser manipulada. Se o Dominador conseguir fazer com que eu pense que a vontade de usar agulhas é minha...excelente! Limite ultrapassado, venha o próximo!

Não, não posso prescindir do consensual (mesmo que às vezes o mesmo tenha sido manipulado!). É ele que permite que a minha confiança e respeito pelo outro cresçam.

2 comentários:

  1. [...Eu sei que muitas vezes serei manipulada para agir em conformidade com os desejos do Dominador mas, para mim, ser bem dominada é não me aperceber de quando estou a ser manipulada. ...]

    Não posso senão discordar na integra com esta frase.

    Ser bem dominada e ter consciência do caminho que estamos a seguir é a vontade do dominador e aceita-lo, não por que fomos obrigados e/ou manipulados mas sim por que entendemos que esse é o caminho a seguir.

    Óbvio que isso só se consegue quando quem domina tem noção das reticencias e dos medos de quem se submete. Respeitar esses medos não significa abdicar do controle da relação, nem entregar o comando da mesma ao sub, mas pelo contrario, saber qual o caminho a percorrer para levar o sub onde o dominante deseja.

    Um sub que quebra um limite sem o desejar, não esta a ser dominado, mas sim manipulado, e não sei a que ponto isso não será já violência domestica.

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  2. Olá Corto! Fico contente em saber que ainda me lês!

    A frase pode não ter saído tão bem como na minha cabeça! Vamos ver se consigo esclarecer ou se me enterro ainda mais!

    Há manipulação e manipulação! Isto é, pegando no exemplo das agulhas, se o Dominador com calma e paciência me levar a querer experimentar, até porque me explica como vou beneficiar dessa prática, ótimo! Não era a minha vontade mas acaba por se tornar e um dia, após algumas recusas iniciais, acabo por ser eu pedir para experimentar. Fui manipulada porque o meu pensamento foi orientado para ver além do meu medo e do desejo do Dominador e no fim, se a experiência correr bem, sinto-me mais livre.

    Agora se as agulhas são impostas, se eu entendo que do outro lado não há vontade de me ajudar a ultrapassar o medo mas sim uma imposição para o outro obter prazer, que não há preocupação pelo meu estado, então estou a ser manipulada de forma negativa. Eu experimento as agulhas porque não consigo combater a insistência do outro mas faço-o contra a minha vontade. E no fim, mesmo que a experiência corra bem, vou-me de facto sentir-me violentada porque eu não fui respeitada, porque o fiz não por mim ou por ambos, mas apenas pelo Dominador.

    Um bom exemplo de manipulação é a publicidade. Esta é criada com o objetivo de nos fazer comprar um determinado produto, não é imposto, não nos obriga, mas orienta-me para que queira experimentá-lo. Quando vejo um anúncio não me apercebo das mensagens subliminares nem das técnicas de marketing, vejo o produto e reconheço, ou não, que me pode ser útil. Compro, experimento e depois decido se continuo a usar, dependendo da reação que o mesmo provocou em mim, se gostei ou não.

    Espero ter esclarecido! Porque tens toda a razão quando dizes que se eu quebrar um limite que não desejo, porque vai contra a minha integridade, apenas porque gosto de agradar um Dono…há de facto violência e uma grande falta de respeito, não só da parte dele mas principalmente da minha. Como posso eu exigir respeito do outro se eu própria não me respeitar?

    Mas infelizmente há muitos Dominadores que não se preocupam em explicar o caminho, para eles a sub só tem de se submeter e confiar, independentemente de perceber, ou concordar, com o método. E quando questionados respondem como o outro: prognósticos só no fim do jogo!

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